quarta-feira, 31 de março de 2021

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia: Epílogo

Epílogo

E pra quem não entendeu que o amor e o ódio são os dois lados da mesma moeda, expresso no meu aqui chamado ódio é o amor q tenho pela Psicologia, e no sentimento que, tenho certeza, está presente nessas 14 queridas pessoas, nesses e nessas 14 colegas aqui se formando. Expresso o meu amor quando puxo a orelha, porque a gente só puxa a orelha quando a gente gosta e quer ver a outra pessoa bem. Expresso o nosso amor nesse convite à reflexão de todas e todos aqui presentes para uma vida melhor e mais equânime. Expressamos o nosso amor quando não deixamos nossos seres queridos saírem nesse momento de isolamento, quando reclamamos que estão sem máscara ou que ela tem que ser usada o tempo todo e sobre o nariz e a boca, exatamente porque somos profissionais de saúde; quando incentivamos o uso da vacina vindoura porque sabemos o que significa 50,38% de eficácia e que os insumos das outras trocentas vacinas que já tomamos na vida vêm da China há anos e ninguém reclamava. Mostramos o nosso conhecimento, amealhado em meio a muitas horas de estudo, quando sustentamos a continuação de um SUS gratuito, integral, universal e de qualidade.  Estamos cumprindo a nossa obrigação de buscar proteger quem precisa, porque a Psicologia é feita disso: do amor pelas pessoas e pela vida de todas, todes e todos.

Muito obrigado!

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 7/7 (Falta o epílogo!)

 Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 7/7


7 E eu odeio ser psicólogo porque a Psicologia entra em nossas veias e fica em nossas entranhas. Muita gente por aí não queria que a gente virasse psicólogo, porque pra gente tudo pode (e é mentira) e a gente não acredita em Deus (até tem quem não creia, ou cujo Deus é diferente do seu, mas a Psicologia não demanda isso, e tá tudo bem). 

E tem mais: a gente não é psicóloga e psicólogo o tempo todo, mas a ciência psicológica sempre está por perto, seja em nosso dia a dia, claro que no nosso trabalho, e em todas as nossas relações. Tenho admiração por quem tem que conviver conosco, principalmente em casa, principalmente de quem acompanhou as nossas mudanças e não entende por que começamos a dizer mais nãos, estamos mais em silêncio, não queremos mais voltar pras nossas cidades, tratamos de assuntos que o povo finge não existir (o elefante está na sala),  fazemos menos questão de umas coisas e mais de outras... É porque a gente muda, sim, a Psicologia muda a gente. Desde o primeiro período, quando aprendemos com a querida Carla sobre a diferença entre senso comum e Ciência, a gente tomou um lado; não desconsiderou o outro, mas abraçou a ciência e o conhecimento, e esse é um caminho sem volta. Ou quando vocês viram comigo que a ética é o nosso único caminho, dentro e fora da profissão, e que furar fila, tirar xerox no local de trabalho, não usar o cinto de segurança ou roubar um banco fazem parte do mesmo tipo de ação... tá tudo no mesmo saco! 

Não existe alguém que tenha passado incólume pela faculdade de Psicologia, todas e todos mudamos, e isso não nos faz melhores nem piores, mas nos faz diferentes. 


sexta-feira, 26 de março de 2021

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 6/7

 Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 6/7

6 Eu odeio ser psicólogo porque política e religião se discutem, sim. Tirei o futebol porque jogos têm outras regras, mas discutir não quer dizer, necessariamente, ser contra. Discutir é conseguir, por meio do diálogo, compreender os prós e contras das situações, confrontando tese e antítese pra se chegar em conjunto a uma síntese, o que não é possível quando há radicalismos fundamentalistas que desconsideram ou destratam parte da população, independentemente do motivo. Pobres, pretas e pretos, faveladas e favelados, garotas e garotos de programa, encarceradas e encarcerados, LGBTQIA+, mulheres, índios, pessoas com deficiência ou transtornos, quaisquer pessoas em vulnerabilidade são tão gente quanto cada uma e cada um q hoje aqui está... e por que elas mereceriam menos? Será que eu sou melhor? Será q você é melhor? Nós devemos ser, sim, é intolerantes com os intolerantes, respeitar e dar-nos ao respeito, conhecer antes de julgar, prevenir, ouvir, perguntar, nos interessar... devemos ser pessoas! Inclusive, acho curioso quando vejo alguém dizer que "Fulano é muito humano", porque isso quer dizer é que estamos mesmo perdendo a nossa humanidade...

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 5/7

 

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 5/7

5 Eu também odeio ser psicólogo porque a gente vai contra um monte de coisa que muita gente acha (ou diz achar) que é normal... ou a gente é a favor, ou não se importa com a vida dos outros porque, na maioria das vezes, não nos diz respeito. É naquela hora em que o comentário é homofóbico, racista, misógino, machista, capacitista, gordofóbico, lgbtfóbico, estimula a violência e o ódio, discrimina a religião diferente da sua ou (ainda mais) quem não tem religião (porque ninguém é obrigado a acreditar no que eu creio), e a gente compra uma briga porque a pessoa não consegue ver o tamanho do absurdo que está cometendo, de uma coisa que pra gente é mais do que óbvia.

quarta-feira, 24 de março de 2021

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 4/7

 Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 4/7

4 Eu odeio ser psicólogo porque a gente começa a questionar tudo. A gente começa a ser a chata e o chato da rodinha, do grupo do Zap, do almoço em família, porque a gente não ri das piadas porque elas são humilhantes a outras pessoas, ou mesmo a nós, e a gente faz cara feia, e pergunta o porquê da graça (e claro que nessa hora ninguém responde) ou sai do grupo (como eu fiz, mais de uma vez), ou a gente explica q ficar mandando foto de acidente e morte, e vídeo de fake news é errado, é inconveniente, é inapropriado e desrespeitoso. Ou quando a gente reclama que só tem fraldário no banheiro feminino, já que pai também tem obrigação de trocar as fraldas das crianças. Quando a gente pergunta por que a menina tem obrigação de lavar a louça depois do almoço, enquanto o menino vai brincar. Quando a gente lembra que o brinquedo e a cor da roupa não têm nada a ver com a sexualidade. E quando a gente lembra que o sexo é parte de uma vida saudável e que ninguém tem nada a ver com o que a coleguinha faz na cama e nem com quem o rapazinho está beijando.

terça-feira, 23 de março de 2021

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 3/7

 Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 3/7

3 Aliás, nesse mesmo contexto, tem mais motivo pra eu odiar ser psicólogo. Estava eu lá, eu e o mar, o mar e eu, a areia junto, e eu vejo um casal hetero (porque psicólogo diz se o casal é gay ou hetero, não apenas "casal" ou trisal) com duas crianças, de uns 3 e 5 anos. Depois eu vejo uma menina de uns 11 anos perto deles, e a menina pega as sandálias das crianças, e a menina dá a mão pro menino, e a menina carrega a bolsa da moça... Posso estar muito errado, mas, por ser psicólogo, só consigo pensar que é trabalho infantil. Ou que "levaram a menina pra conhecer o mar"... Não fui lá perguntar, e psicólogo não faz julgamento, mas a chance de essa menina ser mais uma Madalena é enorme (e, pra quem não lembra, Madalena é aquela moça que foi explorada, expropriada e escravizada por uma família aqui em Minas)...

segunda-feira, 22 de março de 2021

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 2/7

 

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 2/7

(Escrito originalmente em 13 de janeiro)

2 Eu odeio ser psicólogo porque a gente não tem descanso. Eu estava agora de férias, sozinho, eu e o mar, o mar e eu... mas, de repente, a gente começa a reparar, né, e eu noto q faço parte dos 10% que usam máscara (Ah, Worney, mas é na praia, né! Pois é, lá também tem q usar!) e dos 5% de pretas e pretos q estão ali se divertindo, usufruindo do merecido lazer, porque as outras e os outros pretos q ali estão são trabalhadores, naquele sol de rachar, buscando o seu sustento. Sem contar o monte de criança também trabalhando -- ah,  mas eu trabalhei desde mil novecentos e guaraná de rolha e não morri; sim, mas criança tem é q estudar e brincar, não tem q trabalhar, não. Ela pode e deve ajudar em casa, cumprir tarefas, mas não pode ficar exposta, não. Sem contar as vezes em que temos q lidar com quem quer excluir, em vez de incluir, querendo mandar crianças com necessidades educacionais específicas pra fora da escola regular: mais um retrocesso sem razão alguma.

domingo, 21 de março de 2021

Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 1/7

Esta série de posts reabre o momento do Nonsense; vamos ver se consigo dar continuidade a esse projeto que me foi tão caro durante tanto tempo.

Em 13/1/2021, eu fui homenageado pela turma de Psicologia FASI que estava se formando. Recém-chegado de uma viagem em que pude refletir muito sobre a vida, resolve dar ao discurso o título de "Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia", para fazer uma das coisas de que mais gosto: tentar possibilitar reflexão. Então, decidi (logo) publicá-lo, mas não consegui me organizar, então, agora, segue. Comentários são mais do que bem-vindos. 

Aliás, bem-vindxs de volta ao NONSENSE!


Alguns motivos pelos quais eu odeio a Psicologia 1/7

1 Quando a gente vira psicólogo, a gente não tem paz. Todo mundo tem problema, claro, mas o povo quer contar a situação pra gente em qualquer lugar, desde quando a gente entrou pra faculdade. Quem das e dos colegas nunca foi abordada/o no ponto de ônibus, na fila do banco, principalmente naquele dia em que você não tá a fim de conversar?  E aí você teve q respirar, ouvir e ainda fazer considerações, explicando q "não é bem assim", ou que você acabou de entrar na faculdade e ainda não consegue discutir aquele assunto de maneira embasada. E, claro, q não atende parente nem amigo.

terça-feira, 23 de julho de 2019

Autopreconceito?



Obrigado às/aos amigas/os que deram sugestões de pauta, ooops, reflexões para minhas tergiversações. Acabei pegando um item que se complementa ao anterior, sugestão de um querido amigo que não mora no Brasil e que, inclusive por isso, tem uma visão muito interessante sobre alguns assuntos de nosso cotidiano. Ele me sugeriu falar sobre preconceito e discriminação dentro dos próprios grupos já discriminados, neste caso, os LGBTQIA+, mais especificamente os gueis.

Acho que, pra começar, é interessante lembrar que os preconceitos existentes fora dos grupos muito comumente se repetem dentro deles, pois os comportamentos são, muitas das vezes, não pensados.

O chamado "meio gay" costuma ser muito discriminatório. Seja você gordo, feio, pobre, com trejeitos femininos, mal vestido (para estes determinados padrões) pra ver. Se "morar mal", então, é muito mais complicado. A ditadura da beleza parece sobrepor-se de modo que ou você faz parte e é uma barbie (preconceituosamente generalizando), com um corpo supersarado, com grifes saindo pelos olhos e ouvindo música eletrônica (se vier com drogas junto, melhor ainda), ou você simplesmente não faz parte, é a poc-poc, a pão-com-ovo...

Aí tem o outro lado, daqueles que sempre procuram alguém que seja "ativo, discreto e fora do meio", ou que se passam por donos dessa característica pra conseguirem alguém. Acho esse jargão o mais interessante representante do preconceito existente, porque traz todos os medos contidos: ser passivo, "dar pinta" e fazer parte do gueto em que muitos se encontram. Pior do que ser gay (e, pfvr, solicito o modo de ironia ligado durante todo o texto!) é parecer gay. O sujeito é minuciosamente investigado durante todo o tempo para que não se pareça gay, ou melhor, bicha, viado, feminino, efeminado/afeminado, baitola e toda sorte de nomes pejorativos (ou não) que lhe são imputados. Quer ofender um homem? Xingue sua mãe ou diga que ele é gay...

Ah, pode ser gay, mas não precisa mostrar pra todo mundo. Ah, eu respeito, mas não precisa ficar se agarrando na minha frente (lembrei do episódio do taxista contando pra Samanta Schmutz, todo orgulhoso, que bateu num casal gay). Ah, o cara até pode ser gay, mas não precisa ficar desmunhecando. E não precisa ficar contando pra todo mundo... Gente, as pessoas são o que são e como são. Precisam ser respeitadas por serem pessoas. Aí, dentro do próprio meio, que já sofre tanto preconceito em cada ato, ainda há os que discriminam seus pares.

Existe um quadro famoso do Paulo Gustavo cujo mote é "Aqui no nosso grupo, você é a mais afeminada!". Ele faz graça com a desgraça, exatamente apontando o que ela tenha de pior. Aliás, muitos gays fazem graça com a própria desgraça o tempo todo, até pra dar conta. E não venha me dizer que todo gay é engraçado, ou que todo gordo também o é: o que acontece, muitas das vezes, é que esta seja a maneira que a pessoa encontra para tirar de si a atenção negativa que uma tal característica represente. Eu sou o primeiro a contar piada de preto (Olhaê o próprio negro se discriminando, ó!), justamente para não ter que ficar fulo da vida com você que fez isso "sem sentir".

E isso vai até no próprio sexo em si. Vocês já pararam pra pensar sobre como o intercurso sexual rebaixa o outro, em muitos casos? O tal do "vale tudo entre quatro paredes", se é que é real, perde a sua essência quando o seu prazer é com o desprazer real do outro. Sexo é para os dois (ou três, ou quatro, enfim) terem prazer. Sexo é para se dar e oferecer prazer, reciprocamente. Se só você está tendo prazer, tem algo errado aí.
E, pra terminar, quero falar da frase que era pra ser título, mas que acabei deixando como um dos temas, apenas: o problema é a mulher! (Solicito novamente o modo de ironia ligado!) É óbvio que, até no meio em que se deveriam respeitar mais ainda as individualidades, para se ter força, o feminino, a mulher e o que se lhe aparenta são discriminados. O gay passivo é discriminado porque é quem se oferece ao outro; o gay pintoso é discriminado porque se parece com mulher; o gay "do meio" não posa de machão e por isso pode fazer com que todos ao seu redor sejam expulsos do armário, lugar muito confortável (ou não).

As meninas que fazem programa (e que têm pipiu, ainda que meninas) confirmam: 90% dos homens que pagam por sexo com elas querem é ser passivos. E são casados. E são pais de família (aquela família tradicional do post anterior). E tem até os que fantasiam que elas são mulheres com pênis. No Brasil, país que mais mata LGBTQIA+ no munod.
Pois bem, não consigo ser tão conciso. Tem sempre muito a ser falado. Os gays discriminam as lésbicas que discriminam os gays que discriminam os bissexuais dizendo que eles não têm coragem de se assumir. Nesse arco-íris sexual e de gênero, alguém lá pode discriminar alguém? Alguém tem direito de não olhar para o próprio umbigo antes de falar do outro? Mas ser masculino, bem dotado (ah, o mito fálico), ativo exclusivo faz o sujeito achar que pode, reproduzindo tudo o que acontece lá fora, fazendo com que até quem deveria estar junto se afaste.

Mais uma vez conclamo: bora olhar pro nosso próprio pé antes de julgar o pé do outro?

domingo, 21 de julho de 2019

Preconceito, mimimi e representatividade (textão!)




"Resumiria o racismo brasileiro como difuso, sutil, evasivo, camuflado, silenciado em suas expressões e manifestações, porém eficiente em seus objetivos, e algumas pessoas talvez suponham que seja mais sofisticado e inteligente do que o de outros povos." (MUNANGA, 2017)
Você tem preconceito! Eu tenho preconceito! Nós temos preconceito! Isso faz parte quase que da nossa natureza, pois nos utilizamos de um conceito prévio para nos acomodarmos, principalmente ao novo. O problema não é, de forma alguma, o conceito anterior que se tem sobre algo, mas, sim, a generalização, na maioria das vezes superficialmente feita, acerca de algo ou alguém, inclusive o chamado racismo estrutural e a perpetuação deste conceito como se certo (e único) fosse.

Sou negro e, nem que eu quisesse, isso deixaria de fazer parte da minha visão de mundo. No entanto, não parto do ponto de vista subjetivo para isso: só não vê quem não quer. O Brasil, todo cheio de miscigenação (e tem muita literatura sobre isso pra quem estiver a fim; só recomendo ler com crítica, item que anda em falta ultimamente – sim, estou sendo preconceituoso), acaba disfarçando muitas das suas mazelas, jogando para debaixo do tapete, culpando as vítimas, o que é típico da sociedade hipócrita de que fazemos parte. O mito da democracia racial brasileira auxilia muito nisso.

Sempre peço que se observem os fatos. Olhe ao seu redor, e veja o ambiente em que você está. Em que condições os negros [e nordestinos e "da roça" e pobres e até "feios"] estão? Que lugares ocupam e em que papéis atuam? Será que não há, mesmo, nada de diferente nesta pequena observação? A não ser que você esteja em um oásis [e, sim, (in)felizmente, eles existem], as posições tidas como subalternas são as normalmente relegadas aos que não fazem parte do establishment. Até Jesus tem olho azul, porque isso é que é o bonito, eurocêntrico – logo Ele, que nasceu no Oriente Médio...

Dizer que alguém faz baianada quando quer dizer que esta pessoa fez algo errado no trânsito é preconceito. Achar que você é melhor que a colega de trabalho porque você é mais magra também é preconceito (isso vale pr'aquela que leva a amiga "feia" junto na balada só pra se sentir menos mal). Pensar que você deve ser mais bem tratado do que o outro porque você tem dinheiro é preconceito. Tratar quem não é das grandes metrópoles como "o povo do interiorrrrr" (veja o tom pejorativo) é preconceito; se for "minerin" então, vish maria!

E aí tem mais. Os termos diversidade e representatividade têm feito, cada vez mais, parte do nosso dia a dia. Você se sente representado pelas pessoas em quem votou e pelo que eles têm feito? Pense nisso. Quando você, lésbica, vai ao ginecologista, ele, de fato, considera essa sua condição para oferecer o melhor atendimento possível a sua realidade? Aos universitários, quantos professores negros vocês têm? Por quantos médicos negros você já foi atendida na vida? Quantos advogados negros já defenderam você? Vi pesquisa recente falando sobre a dificuldade de psicólogxs não negrxs compreenderem o que é o racismo estrutural, exatamente por falta dessa empatia de que estou falando.

Adoro novela. E estou acompanhando a das 19h, que se passa em 1993, tempo em que o famoso "Você sabe com quem está falando?" ainda imperava, e os sobrenomes eram declinados em busca de se dizer do que era bom e certo, "de bom tom", pra dizer quem mandava. Anos 1990? Será que mudou muito? Você ainda fica horas esperando na antessala do médico porque o tempo dele é mais importante do que o seu, e ai de você se disser que acha isso absurdo: "O doutor (adoro essa palavra, das mais mal usadas na vida) tem uma rotina muito corrida, aí, ele marca por ordem de chegada pra não perder tempo!", mas eu posso perder o meu tempo, né, o meu é menos importante do que o dele. Humpf!

De certa feita, fui questionado sobre o porquê de estar comemorando a presença da Maju na bancada do JN, pelo fato de ela ser negra. A fala foi "tem que ser pela competência!". Gente, por favor, não me venham falar em meritocracia se não tivermos oportunidades iguais, é simples assim. Se, sob as MESMAS condições, alguém de nós tiver melhor desempenho, podemos falar sobre o assunto. Caso contrário, favor rever centenas de anos para fazer um julgamento do tipo. Você achar que seu cabelo é ruim (favor ler errado: rúim, e não ruím) porque não vê cabelo de outro jeito; você achar que sua pele é errada porque nem tem hidrocor pra poder representar você; você só se reconhecer no que é socialmente rebaixado; será que isso representa igualdade de condições? A Maju foi chamada de macaca; a Helena feita pela Thaís Araújo fez muito nariz se torcer quando ela flanava de helicóptero pelo Rio; e dizem que a cantora Halle Bailey não pode fazer a Ariel, de A Pequena Sereia. Será que a concepção de gente não é diferenciada? Será que isso não afeta em nada a autoestima (oi?) de muita gente por aí? Inclusive daquela que me disse, muito complacentemente, que eu não era negro, que eu era moreno, como se isso fosse um xingamento. Falar de preto então... Imagina pensar na princesa negra da Disney (Tiana e Sadé presentes) – por que será que muita menina negra nunca pensaria que poderia vir a ser uma princesa? É porque ela vê muitos exemplos, sabe...

Mas a coisa não termina por aí. Kit desconforto, como bem definiu uma amiga. E se for LGBTQIA+? Piorou! Chamadxs de aberração, pouca vergonha ou algo que o valha, são alijadxs dos direitos em nome da família, a família tradicional, aquela, hipocritamente construída, de fachada, para manter a moral e os bons costumes, e com toda a poeira debaixo do tapete. Falar de sexo não pode, como se ninguém fizesse, mas falar de violência pode. Ah, por favor, venhamos e convenhamos: ver religiosos, que supostamente pregam o valor da vida, fazendo arminha com a mão me passa um pouco demais dos limites. E tem mais, até ouvi de alguém dia desses que preferia que as crianças ficassem nas instituições de acolhimento em vez de serem adotadas por casais gays, porque ficariam com a conduta "desviada". Eu fico tentando pensar o que seria uma conduta ilibada diante de tanto preconceito... Fico pensando se a Marielle Franco não fosse negra e lésbica...

E aí tem o mimimi, termo usado para diminuir e degradar qualquer questão que saia da sua zona de conforto, daquilo que você acha que está certo, não levando em consideração as pessoas ao seu redor e a importância que tais questões possam ter para elas. Vitimismo e mimimi, sempre utilizados para encerrar uma conversa para a qual não se tem argumento de se colocar em um lugar de empatia, de compreender o as questões do outro. É muito mais fácil encerrar a conversa assim, mesmo, porque quando o argumento acaba...

O feminismo, a partir da compreensão correta de uma luta por igualdade, sendo criticado erroneamente porque o status quo está sendo abalado. A luta por direitos sendo desqualificada e a verdadeira massa de manobra sem prestar atenção ao fato de que está lutando contra si própria. A assistência sendo caracterizada como assistencialismo (não estou dizendo que não haja) para se justificarem mazelas outras. A ignorância e cabeça-durice tomando conta. A superficialidade considerada como se profunda fosse. O achismo e a teocracia tomando conta: o que o aiatolá diz, independentemente do tamanho da bobagem, seus asseclas estão lá, prontos a defender, sem sequer pensarem a respeito. Está meio assim. Está muito assim...

O pior é que, nestes tempos de exceção, a própria exceção é colocada como regra. Julga-se um grupo de um milhão pelo comportamento de um, que desagrada aos cândidos e inocentes olhos conservadores. Sei! Muitos fazem o que bem querem, fazem de tudo por seus interesses, e têm um suporte cego de quem prefere (consciente ou inconscientemente) fingir que está tudo bem, que está tudo certo. E talvez esteja, mas apenas para alguns. E a cortina de fumaça parece mais de chumbo. Talvez seja.

Inclusive, ando achando muito engraçada essa questão de não se mostrarem os likes do Instagram, porque atingiu o calcanhar de Achilles narcísico de muita gente por aí. As fake news não são só coisa de política, não. Estão presentes em grande parte das postagens que você vê e curte. Os consultórios (e, por que, não, os cemitérios) estão cheios de pessoas que acham, mesmo, que a grama do vizinho é mais verde. Verdade e mentira vão convivendo de maneira tão próxima e sórdida que fica difícil julgar. Você vive enganado! Você tem pena de um cachorrinho que morreu no estacionamento do supermercado, mas não dá atenção a uma criança mal vestida que, olhe que absurdo, está na praça de alimentação do shopping, pedindo comida. Aliás, acha que essa criança não poderia ser adotada por um casal gay, prefere que ela passe fome.

Não sou santo. Não faço tudo certo. Aliás, felizmente, sempre haverá a falta. Busco manter certa coerência entre o que é meu e o que é do outro, e nos meus julgamentos (e não venha você, distinta/o senhor/a da sociedade pequeno-burguesa contemporânea, dizer que não julga porque você julga!), tento lembrar que é com o outro, e não comigo. Mas e se fosse comigo? Já parou pra pensar que essa pergunta nem deveria ser feita? Não tenho que me condoer com o outro pensando "e se fosse comigo", primeiro porque não é, e segundo porque, se for para julgar a partir de mim ou de você, perder-se-iam o contexto e a capacidade crítica, e seria hipotetizar demais a realidade, o que, de fato, não é, pois não é com você.

Se déssemos conta de prestar mais atenção a nossas próprias vidas, talvez pudesse ser menos pior. Se eu conseguir compreender que o mundo vai além do meu umbigo, já estou dando um grande passo. Se eu questionar meu próprio preconceito internalizado, talvez eu consiga enxergar o outro como ele é, simplesmente, o outro.

Então, se você chegou até aqui, e já que no Brasil os casos de racismo são raros, não existe fome, os índices são todos camuflados e a censura sequer se aproxima, bora pensar sobre o preconceito nosso de cada dia?